a vida é mais feliz com plantas por perto
Por Rafael Bittencourt ~ 24 Outubro 2018
Como uma espécie de reverência à natureza, sua inspiração maior, a artista argentina Lucila Dominguez mescla a simplicidade, silêncio e calma na exuberância das plantas em murais gigantescos. Mesmo suas ilustrações mais discretas em tamanho têm o poder de hipnotizar o observador, assim como uma bela paisagem tropical. Lucila explora a natureza por onde passa, seja pelos caminhos pelos quais percorre em Buenos Aires, ou nas visitas aos jardins botânicos das cidades que visita, parada obrigatória em seus roteiros – como aconteceu com o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que teve grande influência em seu trabalho desde o primeiro momento.
Um desenho de mundo que beira o fantástico, o trabalho de Lucila é uma homenagem às origens e ao rebuscamento da simplicidade que nos rodeia e que faz tão bem. Afinal, como ela mesma faz questão de expressar, quase que como seu mantra: “A vida é mais feliz com plantas por perto.”
“Somos todos um e isso aparece na natureza.”
V ~ De onde vem esse fascínio pela natureza?
L ~ Eu acho que esse fascínio está dentro de mim desde sempre… Eu sempre fui muito atenta e silenciosa, desde muito jovem eu podia passar horas desenhando e, acima de tudo observando, movida pelo ambiente que me rodeava. Passei horas em museus copiando minhas pinturas favoritas. Eu já desenhei de modelos vivos a fotografias, estudando em detalhes o corpo humano e durante anos meus trabalhos foram habitados por personagens humanos. Em meus primeiros trabalhos, as plantas estavam presentes como ornamentação e, pouco a pouco, começaram a ocupar o centro do palco. Para mim, as plantas são uma fonte de inspiração inesgotável. Na organização aleatória e perfeita das plantas, encontro um mundo fascinante. Suas linhas e planos se cruzam formando texturas fascinantes e crescem de forma caótica e harmoniosa, ao mesmo tempo são simples e complexas. Elas têm belas paletas de cores. Numa única planta observo estruturas geométricas abstratas e formas que estão presentes no todo, desde as ondas do mar até as fibras do corpo humano. Somos todos um e isso aparece na natureza. Isso me move muito.
V ~ Como aconteceu essa transição de pessoas para as plantas?
L ~ Foi com uma série de aquarelas que eu intitulei de “L’Imperatrice”, onde mulheres poderosas usavam ornamentos barrocos em suas cabeças, um pouco inspiradas nos penteados tropicais e cartas de tarô de Frida Kahlo. Lá percebi que realmente gostava de pintar plantas e flores, e que queria explorar o que aconteceria se as assumisse como protagonista de meus trabalhos. Comecei a pintar murais de flores e nessa mesma época tive uma visão e criei a FLORA em 2013, uma feira de arte emergente onde convidei colegas que, como eu, trabalhavam com base na natureza e nas plantas. Nós éramos principalmente ilustradores, mas também convidamos joalheiros e designers para expor e vender seus trabalhos. Eu queria mostrar um movimento que estava crescendo em Buenos Aires, uma cidade muito caótica que sente falta da natureza, onde pequenos viveiros estavam aparecendo em todos os cantos, onde os artistas evocavam plantas em sua arte com certa nostalgia… O lema da FLORA era “Porque a vida é mais feliz quando há plantas por perto”. Naqueles anos comecei a viajar muito, para o México, Colômbia, Brasil e me lembro que o Jardim Botânico do Rio me surpreendeu muito! E meu trabalho foi muito influenciado por todas as plantas tropicais que eu estava descobrindo. Eu pintei essas plantas gigantes em meus murais e comissões de murais botânicos não pararam de chegar. As pessoas queriam ter a natureza por perto, dentro de suas casas e locais de trabalho… Eu não poderia me sentir mais feliz com essa missão.
V ~ Quando você percebeu que era artista?
L ~ Eu sempre quis ser artista. Desde pequena eu sabia que queria desenhar, viver dos meus desenhos. Eu imaginava criar capas para livros e discos, desenhar e pintar o tempo todo… Minha família era humilde, então eu tive que trabalhar muito cedo, eu vendi meu primeiro quadro aos 15 anos, enquanto estudava Belas Artes no Ensino Médio. Enquanto estava na faculdade, trabalhei como assistente de escultores, designers de moda e diretores de arte no cinema. Então eu pude ver que era possível viver fazendo arte, era apenas uma questão de encontrar meu próprio estilo. Acho que foi a partir do florescer do meu trabalho botânico que me estabeleci como uma artista sólida, com um trabalho interessante que me representa, onde posso expressar meu profundo amor pela natureza através da pintura, uma técnica com a qual eu realmente adoro trabalhar, prestando um serviço às pessoas que estão felizes com a minha arte, compartilhando a conexão com a beleza e a natureza que sinto quando pinto plantas.
V ~ Em relação ao Brasil … Por que você se sente tão ligada ao nosso país? É a natureza?
L ~ Natureza com certeza! E a música. Eu amo a música brasileira e adoro cantar em português. Sua língua é tão linda!!! Sinto uma ligação profunda com o Brasil como se tivesse vivido aí em outra vida. Eu me sinto tão livre quando estou aí. Eu amo sua música, sua língua, sua comida, suas cores… O sorriso das pessoas e como vocês carregam a música no sangue, em seus movimentos… Eu já viajei várias vezes ao Brasil, onde curti a praia e suas deliciosas frutas e me apaixonei profundamente pelo Jardim Botânico do Rio. Lá eu pude apreciar espécies de plantas tropicais e flores que eu não tinha visto na minha vida, e isso serviu como uma grande inspiração para meus trabalhos posteriores àquela viagem.
V ~ Você disse que quando viaja “tenta manter a criatividade fresca e viva” … A viagem também é uma fonte de inspiração para você? Quais são suas principais inspirações além da natureza?
L ~ Viajar é o que mais gosto de fazer na vida. E é uma das minhas principais fontes de inspiração. Toda vez que viajo, procuro combinar natureza e cultura, em cada nova cidade que visito, tento visitar seu Jardim Botânico para conhecer novas espécies, mas também para ver sua arquitetura, seus herbários e bibliotecas. Em Paris, por exemplo, dentro do “Jardin des Plantes” fica o Museu de História Natural e é fascinante. No Jardim Botânico de São Petersburgo eles têm uma coleção de plantas aquáticas e tropicais inimaginável e maravilhosa. Outra grande fonte de inspiração para mim é a arte popular e folclórica. Eu gosto de perguntar sobre a arte dos povos nativos, sejam eles latino-americanos, asiáticos ou indianos. Eu amo a tapeçaria marroquina, a pintura budista da Índia, as esculturas em madeira da Indonésia, os azulejos de Lisboa, o bordado mexicano… Cada cidade usa a cor de maneiras únicas que abrem minha cabeça.
V ~ Como você percebe a cena artística latino-americana hoje em dia? Existe um diálogo interessante entre artistas sul-americanos?
L ~ Eu acho que a cena artística latino-americana é muito prolífica… Somos tantos artistas criando tanta arte. Acho que graças à internet e às redes sociais, podemos estar muito mais conectados do que no passado e podemos ver o que nossos contemporâneos estão fazendo. Eu gosto de ver o trabalho de outros pintores, muralistas e ilustradores. Eu aprendo muito com isso. Mas também tenho períodos em que paro para me concentrar na minha própria criação. Eu gosto de me conectar com artistas que admiro quando viajo e escrever sobre eles no meu blog. Eu acho que os artistas são bastante egocêntricos e eu gostaria de ver mais projetos coletivos ou ajudar uns aos outros mais, fazer mais troca entre nós. Eu adoraria fazer uma residência no Brasil, por exemplo!
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