A máfia por Danielle Sartori
Por Danielle Sartori ~ 28 Agosto 2018
“Primeira Pessoa” um espaço livre para o devaneios, histórias pessoais, teorias, olhares, confissões viagens, revelações. Sempre de peito aberto e em primeira pessoa.
A primeira convidada é Danielle Sartori, jornalista, mezzo mineira, mezzo italiana, que tem a moda bordada no coração e estampada no próprio nome. Sartori é autora das teorias mais interessantes e irresistíveis sobre absolutamente tudo, e que sempre acompanham muito bem um vinho, ou um café com cardamomo. Aqui, ela fala sobre a máfia e as relações humanas.
Cheers & Viene in pace.
O que te inspira? Numa dessas indagações me vi respondendo a um amigo sobre os temas que mais me inspiram e me mobilizam. E foi aí que eu disse bem convicta que a máfia é hoje em dia uma inspiração e tanto. Mas como assim?
Passados uns dias eu comecei a elaborar melhor sobre o tema para tentar entender a mim mesma. E foi entre uma e outra viagem que saquei que a vida, entre outras coisas, era senão uma busca sobre sua própria gangue, sobre alicerce, encontrar seus iguais ou seus diferentes que partilham de certas questões éticas de como estar, se mostrar e ocupar o mundo.
Creio que possa ser um viés bem desconstruído e tals, mas aqui do meu ponto de vista eu enxergo um arcabouço bem consistente de compartilhamentos filosóficos bem íntimos e profundos. A máfia fala sobretudo de lealdade, e poucas coisas me parecem mais legais do que se cercar de pessoas leais. Eu sei que é romântico e para quem tem repertório pode sempre ter um caso de filme ou livro que a coisa não tenha sido bem assim, mas onde eu quero chegar é também sobre o fato de ser leal a si mesmo. Desconheço algo tão poderoso e ao mesmo tempo tão difícil de se colocar em prática.
Às vezes a gente se depara com um amor ou algum tipo de amizade que nos obriga a colocar em prática esse poder e isso é das grandes encruzilhadas da vida. Não falo aqui sobre as arestas que precisamos fazer infinitamente para nos tornarmos minimamente melhores como pessoas. Falo daquelas coisas sobre a nossa personalidade ou ética da qual não abrimos mão, aquilo que a gente é, aquilo que a gente cola, se reconhece, se entende como gente e ponto final. Creio que seja por isso que a máfia me diga tantas coisas.
O combo todo passa pelas perguntas, mesmo que internas, sobre quem são seus parceiros na vida e para vida. Não sei se fica claro, mas é algo sobre criar o seu próprio microcosmos ético de compartilhamento de sutilezas que pesam toneladas. E isso é algo que certamente exige muito, tanto que isso pode se virar contra quem é da sua convivência íntima, como muitas vezes acontece na máfia. O chefão “tem” que matar um “irmão” para dizer para si mesmo e para sua gangue que tal ato não será permitido em hipótese alguma. E isso é demasiadamente difícil. Às vezes é preciso “cortar” relações com pessoas caras para continuar a fazer existir este pequeno cosmos. Aquele lance de preservação para que não sejamos engolidos pelos buracos negros que fazem com que a gente se afaste galáxias de nós mesmos.
E o tempo costuma ser bom nisso.
Basta assistir aos filmes das máfias para fazermos uma analogia. A virtuosidade da juventude está relacionada ao fato de quanto mais novos, mais “amigos”. Até aquele momento que a gente se vê substituindo a palavra amigo por colega, depois de colega para conhecido até entender coisas duras que nos levam a concluir que não necessariamente todas as pessoas são assim tão legais. Os embates da vida acontecem num percurso natural de desilusão de quem se permite viver e olhar para o outro. E está tudo bem com isso.
O mundo sempre foi e será dividido por libertários, conservadores e uma ou outra intersecção que dialoga. E, de novo, o tempo mostra que para além da intersecção existe a exclusão e isso basta para cair aquelas fichas das tribos e blá, blá, blá. Mas de novo eu insisto: a máfia é algo restrito, não é tribo, não são gostos, não é estética. É partilha e irmandade que a gente desenvolve e apresenta para muito poucos na vida. E isso me faz responder que a inspiração na verdade são os poucos que me inspiram naquele microcosmo que a gente carrega. Então, para concluir a viagem, eu digo que a magia toda reside em amar autenticidade e lealdade a si mesmo.
~Segue Sartori: @senhoritasartori