do fotógrafo Felipe Viveiros
Por Rafael Bittencourt ~ 04 Julho 2018
Provavelmente nenhuma das canções de Jorge Ben ou de Tim Maia chegam a nomear metade dos bairros cariocas. Afinal, oficialmente de acordo com a Prefeitura do Rio de Janeiro, são 162 bairros (que não envolvem os “afetivos”, como Arpoador, Fonte da Saudade, Bairro Peixoto, etc), divididos em 33 regiões administrativas em uma área total de 1.255,3 Km². Mas como toda grande cidade, o Rio não é visto – ou entendido – em sua totalidade, sendo os cartões-postais “do Leme ao Pontal” suas principais representações imagéticas, logo, tão estereotipadas.
Formado em Direito pela UFRJ, Felipe Viveiros fez da fotografia, que era inicialmente apenas um hobby, sua ferramenta de pesquisa, mergulhando seu olhar em todos os bairros da cidade em uma espécie de expedição pessoal, que já acontece há cerca de dois anos que virou um projeto, o 160 Rios.
Felipe é nascido e criado no Leme e teve a pacata ilha de Paquetá como um quintal de casa aos finais de semana, mas foi folheando livros de fotografia em uma seção dedicada ao Rio de Janeiro em uma livraria no final de 2015, que ele teve seu primeiro insight a respeito da representação visual do Rio tão restrita e repetitiva. Desde então, decidiu explorar todo o Rio de Janeiro e, até o momento, já passou por mais de 140 bairros dialogando, descobrindo, desconstruindo percepções e agregando um novo olhar sobre essa cidade muitas vezes esquecida e até mesmo ignorada.
Felipe Viveiros nos apresentou seu olhar cheio de autenticidade, contou sua história e as histórias ouvidas e vividas por estes muitos Rios.
V ~ Quando começou essa sua jornada pelo Rio, ou melhor, pelos Rios?
FV ~ Eu estava em um livraria, dando uma olhada em uma estante dedicada inteiramente ao Rio de Janeiro. Olhando as capas e folheando o material fiquei impressionado com a falta de diversidade publicada. Procurei trabalhos diferenciados e até encontrei alguns, mas o objeto em geral era sempre o mesmo. Eu entendo que haja a tendência a evidenciar certos lugares, o que acontece em qualquer grande cidade do mundo, ainda mais em uma metrópole turística como a nossa, que ainda é polarizada com um fator de alta desigualdade e insegurança. Só que… Nossa! Eu não via qualquer sinal da grande maioria dos bairros que compõem o Rio. Nenhuma representação visual ou narrativa.
V ~ Uma das coisas que mais me chamaram atenção foi o fato de você ter feito as fotos em preto e branco, justamente por que o Rio é sempre associado ou estereotipado como uma cidade colorida, solar, tropical… Então, por quê os Rios em preto e branco?
FV ~ Realmente, o Rio sempre tem esse retrato colorido, solar. O estereótipo tropical. É difícil escapar dessa romantização. Sempre aquele azul super forte do céu, o verde denso das matas e o ocasional laranja do pôr do sol – de preferência olhando o Morro Dois Irmãos. E não vou negar que isso é lindo. É lindo mesmo! Eu mesmo sou fascinado por essas cores e essas paisagens, mas há mais do que isso.
E há a questão do 160 Rios ser todo fotografado em celular. Me sinto mais confortável em trabalhar as limitações técnicas dessa escolha em preto e branco. Por não contar com os recursos que tenho com minha câmera e lentes, tenho que pensar a foto de outras formas: o quadro retomou sua importância e a disposição dos sujeitos no ambiente é sempre um desafio. Sem a opção de usar a profundidade de campo rasa, o famoso “fundo desfocado”, a harmonia da foto depende do quão bem você consegue administrar todos os seus elementos sem gerar uma foto poluída e confusa.
Mas a verdade é que independente de questões “ideológicas” e técnicas que me fazem buscar essa estética, eu realmente gosto de preto e branco.
V ~ Toda essa tropicalidade do Rio faz com que a cidade seja muito … fotografada. Inclusive o lado menos “glamoroso”. O Rio teve alguma influência nessa história da fotografia na sua vida?
FV ~ Eu sou carioca e vivi minha vida toda aqui, então creio que a cidade não possa ser desassociada da minha formação. Toda minha formação aliás, não só a fotográfica. Dito isso, tenho que discordar do “inclusive o lado menos glamoroso”. Creio que a maior parte desses locais seja deixada de lado. Há uma dicotomia bem clara na representação da cidade em Zona Sul e favelas, o que por si só já e bem limitado. Essa imagem veiculada da favela ainda é um tanto rasa, trabalhada quase sempre como contraponto à zona sul.
Quem não fica impressionado com o monumental tamanho da Rocinha, sua proximidade ao mar e ao riquíssimo bairro de São Conrado? É claro que é uma imagem impactante. Mas há mais. Primeiro porque essas próprias favelas têm dinâmicas internas muito complexas, são diferentes entre si e merecem ser individualizadas. E segundo porque, ainda sobre dinâmicas, há dinâmicas ao outro lado dos túneis e além dos trilhos que são deixadas totalmente de lado! Pense em Campo Grande, Bangu, Santa Cruz, Méier, Madureira, bairros muito grandes e com muita movimentação de pessoas. Quantas representações, visuais ou outras, destes lugares e de seus entornos chegam até você? Acho que essa falta se dá justamente porque quem produz mídia aqui fica preso à Zona Sul e dessa forma tudo que consegue ver de diferente é a favela que está logo ali ao lado. E assim é isso que reproduz. Só que aí erra ao não tratar essas favelas como entes de complexidade própria e erra ao não olhar todas as demais relações existentes na cidade.
V ~ E como você define os destinos?
FV ~ O trabalho é feito mais ou menos em blocos de proximidade, então os bairros que faltam são próximos entre si. A minha próxima parada será na área de Vigário Geral, Parada de Lucas e Cordovil. Há cerca de 20 bairros faltando para a conclusão do projeto, o que significa que já visitei entre 130 e 140 do total. É muita coisa e está levando bastante tempo. Mas tem sido uma experiência incrível. Conhecer toda a cidade e entender melhor sua organização.
V ~ Como você faz as visitas? É um processo mais introspectivo, ou você vai com amigos também?
FV ~ Então, isso foi algo que evoluiu ao longo do tempo. No início era sim uma tarefa bem introspectiva da minha parte. Caminhar sozinho pelos bairros, explorando por horas… Mas entendi que teria muito mais peso e propriedade se incluísse mais pessoas comigo. Seja levar conhecidos, seja buscar moradores para me apresentarem o lugar. A experiência fica muito mais rica dessa forma. Não é sempre que consigo, mas é algo que busco.
V ~ Quais as histórias mais marcantes desses encontros?
FV ~ Há várias histórias que me marcaram ao longo do processo. Sem pensar muito, lembro da baleia encalhada em Ipanema, a visita ao Museu Bispo do Rosário na Taquara, subir o Dois Irmãos para pegar o outro ângulo do pôr do sol, conversar com a Dona Raimunda na Maré, almoçar à beira mar em Sepetiba, ficar preso junto a uma galera numa ilha em Barra de Guaratiba, porque o pescador decidiu não voltar para nos buscar!
Hoje busco muito mais o diálogo. Em um projeto de longa duração essas mudanças acontecem. Aos poucos compreendi melhor o que estava fazendo. Cresci junto ao trabalho. Tive algumas conversas bem marcantes, outras menores, mas todas têm sua importância. Sempre me lembro da conversa com o Silvio em Bento Ribeiro, um senhor apaixonado por Jesus com inúmeras placas feitas à mão em sua loja. Eu não sou religioso, mas gostei muito do papo, que deve ter durado uns 40 minutos. No dia seguinte peguei o trem em Quintino e dei de cara com ele assim que a porta abriu. Quais eram as chances?! Há vários episódios pontuais, mas o mais marcante é a jornada toda e viver essa dinâmica da cidade de forma tão intensa.
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Dive Deep:
ºº 160 Rios